sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

uma foto é uma foto é uma foto


de uma análise semiótica dá pra interpretar muita coisa, mas o significado para um observador depende sempre de suas suspeitas (ou quase verdades) - a partir desse substrato opaco e subjetivo é que se constrói uma narrativa inteira a partir de um instante capturado em certa perspectiva dimensional, dentro de certa moldura. uma imagem é uma seleção dentre infinitas outras possíveis em um curto espaço de tempo. pode ser prova irrefutável, pode ser especulação irrelevante, pode ser o que não é. pode significar nada, pode significar muito ou tudo, pra quem vê.

<< não é o que parece, eu posso explicar >>
pode e não pode, depende de quem viu e julgou

se uma risada é de escárnio ou de mera piada, se os elementos são velhos comparsas ou meros convidados, se o grupo é casual ou representativo de um momento, fruto de um processo democrático caótico ou de um golpe civil-parlamentar:

está tudo em nossa cabeça, em cada cabeça, em uma, em algumas, em muitas, muito raramente em todas

pode ou não representar a *realidade*, os *fatos*; pode até ser uma ficção *verdadeira* ou uma não-ficção parcial

vemos o que queremos ver, não tudo o que podemos

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quarta-feira, 28 de setembro de 2016

democracia

Relendo 'O Processo' de Kafka não pude deixar de relacionar esse conturbado emaranhado a dois imbróglios, um de foro pessoal e outro mais amplo e que compete a todos nós. O pessoal é um contrato imobiliário do qual não consigo, há meses, me livrar, ainda que eu não faça mais uso do local, numa situação em que a comunicação foge aos atos locucionais mais típicos - acordos reiteradamente não cumpridos, perguntas sem respostas, significados inconsistentes – estou nele e me é impossível deixá-lo por minha própria vontade. Tento, todavia, me convencer de que se trata de uma questão menor e a ser solucionada dentro em breve.

O outro se refere ao nosso segundo maior objeto de fé (após o dinheiro, a maior ficção que insistimos em materializar): a democracia. Claro que não farei apologia a ditaduras, a monarquias ou a feudalismos; mesmo que tenha se tornado um tanto dogmática, a democracia ainda me parece, em tese, o sistema político-social como maior potencial de justiça social e equilíbrio: o poder emana do povo, lindo isso. Mesmo a representativa, não direta, nos oferece uma suposta igualdade de direitos entre os cidadãos, que podem eleger com certa rotatividade seus representantes, através de eleições diretas (as indiretas já me aguçam a desconfiança).

Aí surge o primeiro ato de fé: as campanhas eleitorais. Candidatos propõem (ou não) programas de governo e fazem promessas que poderão ou não ser cumpridas. Confiamos a partir de nossa memória e nosso senso ideológico que um ou outro vai representar nossos ideais, de preferência tomando decisões melhores do que nós mesmos tomaríamos, com engajamento certamente maior que o nosso. Esperamos reiteradamente que isso seja verdade, ainda que a experiência nos mostre muitas vezes que raramente é.

Pois bem, fingimos acreditar nisso e passamos ao próximo passo: a confiança nas urnas e no processo de contagem de votos. Se for pelo voto em cédulas, confiamos que outras pessoas contarão corretamente esses votos, além de outras que fiscalizarão essa contabilidade. Pela via eletrônica, deixamos de lado, certamente por preguiça de exigir outra coisa mais sofisticada e de esperar tanto tempo (é muita ansiedade), nosso receio de uma possível manipulação digital, ainda que profissionais mais desconfiados afirmem que ela seja suscetível. Não sejamos adeptos da conspiração, é preciso se apegar a algo, senão não avançamos.

Candidatos eleitos, muitas decepções, algumas poucas alegrias: esperança acima de tudo. Se precisar, vamos à luta! O estado democrático de direito nos permite, está na Constituição. Qualquer desvio de conduta da polícia no sentido de coibir nossa manifestação, principalmente com violência, é mera ameaça fascista ao nosso sistema democrático, está excluída da democracia a repressão, todos os agentes de segurança são treinados e instruídos a proteger nossa vida e nossa constituição física; estão sempre a postos, a nosso serviço, para nossa segurança, com eles podemos sempre contar e nunca será necessário temê-los, eles, a garantia da manutenção de nossa democracia.

Voltemos ao âmbito geral de nossa confidência: o Estado, palco dos acirrados debates políticos, em que nossos agentes eleitos discutem os melhores caminhos para a população, para que cada indivíduo esteja minimamente protegido e pleno de oportunidades, que discutem a partir de seus princípios éticos o que é certo e errado, que votam a cada proposta pensando naqueles que mais precisam, no futuro dos fihos e netos de todos os seus eleitores que habitarão esse vasto território. Haverá, certamente, alguns acordos, que irão, claro, adiar um pouco o objetivo final; assim, porém, é a política, impossível agradar a todos, creiamos que cada um será agradado um pouquinho a cada período. Esses nobres enviados de nossas múltiplas pólis abrirão mão de seus confortos, de sua carreira profissional, de seus possíveis altos salários em outras áreas, para se dedicarem, por um curto período de tempo, renovável até a aposentadoria, ainda que mais próxima que a de seus eleitores, contudo potencialmente prolongável até a mais sábia idade, àqueles que o escolheram e, naturalmente, aos demais. Um governo de todos, para todos.

Tudo isso porque, como sabemos, o povo sabe o que faz. Não somos especialistas em tudo, mas sobre tudo nos informamos, tudo analisamos meticulosamente, de modo por princípio imparcial, a fim de formular uma sedimentada opinião, obviamente não definitiva, adaptável à primeira objeção mais irrefutável. Ninguém melhor que o povo, sempre altruísta, sempre preocupado com o próximo e simpático a cada indivíduo de seu povo, para eleger seus semelhantes, colocá-los no poder, confrontá-los, vigiá-los, tornar-se um de seus vigias, da guarda que protege e cobre o povo.

Somos todos um só corpo e um só espírito. E percebemos falhas, e discutimos, e ajustamos, e debatemos, e reformulamos, e nos apartamos, e ela está aí, mutante, plácida, vigorosa, inexorável. Ainda que alguém titubeie e enfraqueça sua fé, que confie ou desacredite, exerça sua cidadania ou deixe de votar, faça campanha ou abdique de eleger, participe de movimentos ou reclame do parasitismo, empreenda com sua exclusiva, única e inabalável força de vontade ou realize com excelência seu serviço público, gere riquezas ou usufura de direitos, a democracia estará aí, abarcando a todos, levando cada um de nós em sua corrente rumo ao mágico e ao desconhecido.

A decisão é de todos, o destino é entrecruzado. A saida é única: não há.