quinta-feira, 20 de outubro de 2011

A tentativa falha de um humor crítico

O grande problema por trás de toda a repercussão da piada deselegante de Rafinha Bastos é que ele, bem como Danilo Gentili e muitos dessa nova safra de comediantes, tentam ser, ao mesmo tempo, humoristas e formadores de opinião, muitas vezes usando a mesma linguagem para os dois fins - tarefa louvável e desafiadora -, sem, no entanto, serem geniais. Quando lhes convém, estão falando sério, tirando um sarro de políticos ou celebridades com o intuito de construir uma crítica moralista sarcástica. Em outros momentos, simplesmente usam o repertório de preconceitos, estereótipos e cultura machista para tecer piadas infames de teor ofensivo.

Muitas dessas piadas funcionariam muito bem - e de fato trazem o riso - num ambiente entre colegas semelhantes em que ninguém se sentiria atacado ou diminuído. O humor negro, por exemplo, se processa dessa forma. Não se trata de hipocrisia, mas sim de consciência de contexto. Assim como algumas piadas causam risadas histéricas em casas de humor nos Estados Unidos ou nos teatros de shopping centers brasileiros, elas surtem um efeito constrangedor ou mesmo humilhante num ambiente maior e mais complexo como o público telespectador na estratificada sociedade brasileira, em que minorias ainda lutam para conseguir de fato uma igualdade social, já prevista em lei, longe, porém, de existir nas relações humanas, econômicas e políticas do cotidiano.

Ou seja, eles se colocam numa posição, entre confortável e covarde, de justificarem suas palavras conforme a ocasião, ou mais, conforme a repercussão. É preciso prever no público um discernimento muito grande para separar os dois objetivos em um mesmo contexto. Obviamente, nas piadas sobre a cantora grávida ou do estupro parabenizável, temos quase certeza de que não refletem o real desejo ou a opinião dos humoristas; elas podem gerar graça pelo simples absurdo que representam. E, em tempos de intensas manifestações contra a descarada corrupção (mesmo de acordo com a lei), quando enfrentam diretamente com seus comentários ácidos e atrevidos os políticos, nos sentimos até vingados ao ver aqueles engravatados experimentando saias justas. Mas todo esse limbo intermediário, em que se percebem os preconceitos velados, é que nos deixa em dúvida se são de fato piadas de mau gosto ou afirmações normativas provenientes de uma cultura colonial. Eles precisariam ser muito bons, como são alguns poucos cartunistas brasileiros hoje, para conciliar os dois objetivos - crítica e riso - com o efeito pretendido.

Em suma: o humor agressivo contra políticos causa sentimento de justiça, porém sem efeito real de melhoria para os eleitores; o humor negro ou agressivo deveria ficar restrito a ambientes em que nenhum dos ouvintes se sinta ofendido ou humilhado. Fora isso, essa nouvelle vague do humor brasileiro não traz nada de original ou inovador na comédia nacional, muito menos age contra tragédia social e política de nosso país.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

desorgulho

Não gosto do sentimento geral de orgulho de grupo, porque ele sugere que indivíduos do grupo sejam melhores que os demais por uma simples característica. Tipo, orgulho de ser brasileiro, como se ser brasileiro fosse ser melhor que qualquer outra coisa. Orgulho de ser mineiro, como se qualquer mineiro fosse bom. De ser engenheiro ou literato, como se minhas opções de carreira me tornassem uma pessoa melhor que médicos ou advogados. De ser corinthiano, como se gostar de um time mesmo que nunca ganhe uma libertadores o faça torcedor mais apaixonado ou sei lá o que. O orgulho por si só não destaca a categoria, simplesmente iguala todos seus indivíduos numa nebulosa irracional e discriminatória.

Por outro lado, os movimentos de orgulho gay e orgulho negro, até mesmo do orgulho laico, além de outros surgidos nas últimas décadas, se originaram de um problema sério: violência, opressão e discriminação que estes grupos sofreram e ainda sofrem por aí. Ser parte desses grupos, outrora, deveria ser motivo de vergonha. É para anular esta vergonha de ser algo que a sociedade recrimina que surgem os movimentos de orgulho. Não é possível ser cidadão plenamente, numa sociedade igualitária, se há vergonha em ser o que se é. Por isso compreendo a necessidade de se falar, nestes casos, em orgulho, apesar de gostar mais da expressão "consciência negra", como forma de compreender-se como negro, saber sua história e conhecer os desafios para se alcançar a igualdade de fato e não só no discurso. Ser heterossexual ou branco nunca foi (e dificilmente será um dia) considerado motivo de vergonha social.

Portanto, amigos de orgulho hétero, de consciência branca e do dia internacional do homem, sua piada não tem graça.