publicado n'A Patada em 2 de agosto de 2004
Ramstein está acostumado a ver rostos desesperados e aliviados. Diariamente, várias pessoas passam por seu escritório.
Atrás de grossas lentes, seus curiosos e levemente vesgos olhos perseguem os menores movimentos dos visitantes. A maioria chega cumprimentando-o com um solene "Bom dia!" e, a princípio, sente-se desconfortável em revelar seu real intuito em encontrá-lo, citando então pormenores da vida ou comentando o tempo. Às vezes, alguns vão até ali simplesmente para conversar e ver como anda a vida. Porém, Ramstein rapidamente percebe os casos em que a pressa da saudação e a aleatoriedade do assuntos escondem uma vontade imensa de se livrarem do que há de mais podre dentro deles. E ele tem total consciência disso.
Em geral, antes mesmo que Ramstein delicada e sutilmente peça para a pessoa seguir em frente e chegar ao motivo da visita, ela já se revela e desabafa seu sofrimento. Com bom humor, ele procura diminuir o constrangimento alheio, muitas vezes com sucesso.
Entretanto, ocasionamente o visitante vê-se obrigado a se conter e nem encontra palavras para expressar sua dor. Ramstein compreende a situação e procura abrir-lhe a porta para a solução. Muitos não percebem que há sempre, na verdade, um outro caminho, e que tal penitência não é necessária. É nesses casos que Ramstein fica mais satifeito em poder ajudar.
Depois de cada sessão, é evidente a diferença no semblante de quem passa por lá. Ao entrarem pelo corredor, Ramstein vê a tensão e mesmo o martírio estampado nas faces. Eles chegam, fecham a porta, sentam-se, respiram bem fundo, soltam-se, enquanto todo o inimaginável passa-lhes pela mente. Suspiros e gemidos permeiam o processo de libertação. Enfim, limpam-se da sujeira impregnada até a alma e despedem-se, sorridentes, satisfeitos e mais tranqüilos, para voltarem novamente no dia seguinte.
E Ramstein sorri. Sonhava em ser psiquiatra, mas trabalha na secretaria do laboratório de uma mineradora, onde ficam os dois únicos banheiros limpos do local.
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