sábado, 8 de março de 2008

Central Sorrisos

Com o objetivo de deixar o texto menos entediante e irritante que o colóquio com a atendente da empresa aérea e pra não virar o lugar-comum de casos de revolta contra essas depreciadas profissionais, retirei trechos maçantes de expressões decoradas, espera kármica e incompetência lingüística, substituindo-os por reticências entre parênteses. 

- Central Sorrisos bom dia com quem eu falo?
- Bom dia, com o Bruno.
- Pois não, senhor Bruno, em que posso ser útil?
- Eu vou voltar de Frankfurt para Guarulhos neste domingo, mas tive a infelicidade de quebrar o pé ontem aqui e estou com ele engessado. Por isso eu só gostaria de confirmar se vocês irão alocar um local adequado para mim no avião, já que eu preciso deixar o pé suspenso para não sofrer complicações.
- O senhor deseja solicitar um assento especial?
- Isso, pois estou com o pé engessado.
- Infelizmente não podemos fazer isso, senhor.
- Talvez eu não tenha sido claro, não é que eu gostaria de me sentar em um lugar especial, eu preciso me sentar em um lugar com espaço suficiente para deixar meu pé apoiado.
- Olha, com mais espaço na classe econômica só temos os assentos reservados para cadeirantes.
- Bom, não sou cadeirante, mas estou numa situação parecida.
- O senhor gostaria de reservar o assento de cadeirante, senhor?
- Desde que haja espaço pra levantar a perna.
- Tudo bem, pode ser esse então, pois fica do lado da saída de emergência e por isso tem mais espaço.
- Do lado da saída de emergência? Mas minha perna suspensa não vai bloquear a saída de emergência?

(...)

- Tudo bem. Eu tenho um seguro-viagem e eles poderiam pagar um upgrade da minha passagem. Daí eu viajo com espaço na classe executiva e resolvemos o problema.
- OK. O senhor já gostaria de efetuar a reserva?
- Sim, o número do meu bilhete é 0422114634373.
- Senhor, seu bilhete foi adquirido com milhas, por isso serão necessárias mais 15000 milhas para o upgrade.
- Eu não tenho mais milhas, gastei minhas 70000 para trocar o bilhete. Mas não se preocupe, o seguro paga.
- Esse upgrade só pode ser feito com milhas, não com dinheiro, senhor.

(...)

- Moça, deve haver algum jeito. Eu não acredito que eu seja a primeira pessoa a viajar com o pé quebrado na empresa de vocês.
- Olha, senhor Bruno, tem uma coisa que o senhor pode fazer: assim que o senhor chegar no check-in, se tiver assento livre na classe executiva eles colocam o senhor lá. Mas isso fica entre nós, tá?
- E se não tiver mais vaga na classe executiva?

(...)

- Já que é tão necessário, o senhor deve nos enviar um formulário médico disponível no site preenchido com a assinatura do médico, esclarecendo o seu problema. Nossos médicos irão analisar o caso e decidirão o que deve ser feito. (...)
- Tudo bem, daí eu mando para qual e-mail?
- O senhor pode anotar o número do fax?
- Eu não tenho fax aqui.
- Infelizmente o senhor só pode nos enviar por fax.
- Moça, veja a minha situação: eu estou num país estranho, com o pé quebrado, na casa de um amigo que está trabalhando, com muito custo consigo chegar ao banheiro e preciso voltar para o meu país sem perder a perna no caminho. Eu liguei apenas para informá-los de que um passageiro com necessidades especiais iria tomar esse vôo e agora você me diz que para isso eu tenho que mandar um fax. E se eu te mandar para o seu e-mail e você enviar o fax por mim?
- Não posso, senhor, são normas da empresa.
- Por Deus, como eu vou te mandar esse fax?
- Infelizmente eu não posso fazer nada, senhor.
- Sim, é esse o problema. Eu entendo perfeitamente que você não pode resolver meu problema, afinal de contas são tantos clientes que ligam com problemas diferentes e você não consegue tratar de todos. Nesses casos de exceção deveria haver um jeito de você disparar um novo processo de tratamento diferenciado, chamar seu supervisor, seu gerente, qualquer pessoa, pois uma pessoa de perna quebrada não tem culpa de ter quebrado a perna, já está privada do uso normal de sua perna e não pode por isso ser privado também de voltar pra sua casa com segurança e com sua perna quebrada. Então eu pergunto novamente, o que vocês podem fzer por mim?
- Eu entendo, senhor, mas infelizmente eu não posso fazer nada.
- OK, me passa o número do fax.
- É +55 11 4003-7013.

(...)

- Alô, meu amigo enviou do trabalho há mais de uma hora um fax, você poderia verificar se chegou?
- Não consta nada aqui, senhor.
- Olha, verifique de novo, pois já foi muito complicado encontrar esse aparelho de fax e...
- Por acaso o senhor mandou para o número 7013?
- Isso, 11 4003-7013.
- Senhor, me desculpe, esse número não usamos mais, quem informou ao senhor estava desatualizado. O número correto é 7015. O senhor poderia enviar novamente?
- Não, não posso. Escuta, eu não estou com má vontade. É de meu interesse que isso chegue aí, mas fax é coisa do século passado. Aqui não existe mais aparelho de fax, nem no Brasil. A gente escaneia o documento e manda por e-mail, ninguém usa mais fax. Me perdoe, mas é por isso que essa empresa faliu ano passado. E vai falir de novo se continuar assim!
- Eu entendo, senhor. Então, por favor, o senhor poderia anotar o endereço de e-mail?
- O quê?
- O endereço é "sorrisos@empresa.com". No assunto, escreva "URGENTE: Encaminhar por fax à Central Sorrisos"

(...)

No fim das contas o seguro pagou um novo bilhete na classe executiva de outra empresa aérea e viajei com todo o conforto necessário, sem eu precisar mandar nenhum fax. Quatro dias depois de aterrisar no Brasil, isto é, uma semana depois do envio do fatídico e fatigante fax, recebi um e-mail de "sorrisos@empresa.com":

"Prezado Sr. Bruno,

Em atenção ao seu e-mail, informamos que a solicitação de assento
especial, (sic) é feita através da central de atendimento Smiles pelo telefone..."

6 comentários:

cHui disse...

Caraca Brunao, nao sabia que essa história tinha sido tao complicada! Manda o nome do seu seguro que ele é bom! E Varig nunca mais!

Rosa disse...

hahahahahahahahaha

eu não sei se acho graça, ou se acho deprimente.


gostei da idéia do blog. e tenho inveja de computeiros que sabem personalizar o template com fotos próprias.

=*

Aníbal disse...

Cara, já passei algumas fases com a(s) perna(s) engessada(s) porque nasci com uma má formação (cujo nome envolve o radical eqüino e talvez por tal delicadeza do mesmo, eu não o decorei) e sei que não é fácil. Eu era moleque, passei por isso pela primeira vez com 3 meses de idade e mesmo com o pique que temos na infância, mesmo com a minha experiência no assunto e mesmo sendo uma criança que preferia um livro a uma bola de futebol, em certos momentos eu me sentia péssimo, mas como você disse, é temporário e devemos usar isso como aprendizado pra saber o que outros passam e sempre que possível ajudar e batalhar contra empresas medonhas como essa aí que não tem flexibilidade para atender quem precisa.

Anand disse...

Brunão, eu pagaria para ler suas crônicas. Num livro assim, de poucas figuras.

Unknown disse...

Concordo com o Anandi.

E eu tinha ouvido a historia, regada a chopp escuro e tudo, mas lendo aqui eu ri mais ainda! :D

Eh nois!

Maria Lima disse...

Ai que raiva. Nobody deserves rsrs
Lembro de você contar tudinho para mim, assim mesmo, ou sera que eu já li isso aqui? Na verdade acho que os dois.
Bom, uma graça